Ecos dos tempos de crise à nossa maneira 2
Sobre a proposta de Leis a submeter à Assembleia da República, quero comentar especificamente em relação:
‘A recente proposta de lei que altera o código sobre consumos específicos, aprovado pela lei numero 17/2009 de 10 de Setembro, vou me cingir nas alterações que visam desincentivar:
- A importação de viaturas usadas, com mais de 7 anos, estabelecendo um mínimo de tributação para as de cilindrada inferior a 1000 centímetros cúbicos, que não eram tributadas, e reduzindo as taxas para as viaturas novas;
Proposta de lei que altera a lei numero 11/2016, de 30 de Dezembro, que aprova o Texto da Pauta Aduaneira e as suas instruções preliminares, cujas alterações têm por objetivo:
- Eliminar a isenção da tributação na importação do carapau congelado, constante da posição pautal 0303.55.00, passando a incidir a taxa geral de 20%;
- Introduzir as sobretaxas na roupa usada de 25 MT por Quilo.’
Ponto número um: Estas propostas só trazem ao de cima a grave dificuldade que o país esta a enfrentar na arrecadação de receitas fiscais, provavelmente estamos muito aquém da meta projetada para este ano, facto que está a criar alguma desordem pelos corredores da Autoridade Tributária que agora quer pautar por um alargamento forçado da base tributária através da tributação aos mais pobres, ou seja, tornar os impostos mais regressivos.
Ponto número dois: Imagino que hajam vozes que defendam que há sim necessidade de desincentivar a importação de viaturas de mais de 7 anos e estimular a aquisição de viaturas novas por questões diversas como, elevados índices de poluição que as mesmas causam ou até mesmo para combater o tráfego que se verifica nas principais capitas províncias, especificamente em Maputo. Até não discordo, mas não estaremos a começar do FIM? Na verdade a principal causa por detrás da importação de viaturas usadas e mais baratas (com mais de 7 anos, por exemplo) é mesmo por falta transporte público de qualidade, em países mais desenvolvidos, em que os sistemas de transporte estão devidamente organizados, faz todo sentido estimular a compra de viaturas novas reduzindo as taxas das mesmas. Mas num país como Moçambique? Que a maioria sequer tem uma viatura, não me parece que a AR deve aprovar esta alteração. Á quem vai realmente beneficiar esta redução de taxas para viaturas novas? O povo moçambicano na sua maioria? Ou uma pequena elite que adquire este tipo de viaturas e até com isenção? Não é melhor começar por políticas que visam melhorar as condições de transporte público?
Ponto número três: Eliminar a isenção da tributação na importação do carapau congelado-- não conheço família moçambicana (na sua maioria), que não tem o carapau no seu cabaz mensal, eu poderia especular que o carapau está na lista dos 10 maiores produtos alimentares consumidos em Moçambique. Alias o carapau, é dos poucos frutos do mar com preço acessível na praça, daí que a sua procura em tempos de crise com certeza aumentou significativamente e claro, reflectindo-se no preço, uma vez que faz parte dos produtos com maior contribuição acumulada positiva (de Janeiro a Agosto de 2017), com 0,15 pontos percentuais, ceteris paribus.
Ao eliminar esta isenção é atacar definitivamente o bolso dos mais pobres, colocando-o como a solução para tapar o buraco de uma gestão insustentável e irresponsável do orçamento publico nos últimos anos.
Ponto número quatro: Roupas usadas, uso dos argumentos apresentados em cima para o carapau, servem para este item (infelizmente sem dados estatísticos). Mas não posso de acrescentar que a roupa usada é considerada bem inferior em muitos manuais de economia, ou seja o tipo de bem que o consumidor deixa de consumi-lo quando o seu rendimento aumenta e vice-versa. Alias é também caracterizado como o tipo de bem adquirido pelas pessoas mais pobres (ou com rendas mais baixas). Dado o cenário actual, percebo que a procura deste produto aumentou, então volto a repetir, ao introduzir a sobretaxa de 25MT/Kg é atacar definitivamente o bolso dos mais pobres, colocando-o como a solução para tapar o buraco de uma gestão insustentável e irresponsável do orçamento publico nos últimos anos.
Ponto número cinco e último: Recentemente foram divulgados os dados da 4ª avaliação da Pobreza e concluiu-se que De uma forma geral, os resultados da pobreza de consumo apontam mostram que índice de incidência da pobreza, ou seja a proporção de pessoas pobres, cujo consumo (per capita) está abaixo da linha da pobreza mostrou uma redução acentuada para as áreas urbanas e para a zona sul e que os níveis de pobreza elevados permanecem nas províncias de Niassa, Nampula e Zambézia. No entanto, Há um aspecto aqui que vale a pena notar nesta avaliação é que a Desigualdade aumentou, a desigualdade indica de que maneira são distribuídos os benefícios da produção de um país para a análise do seu desenvolvimento económico e social. Os resultados relativos ao rácio dos percentis indicam que: o rácio p90/p10 indica que os indivíduos no percentil 90 comparado com os indivíduos no percentil 10 são 6 vezes superior. Este rácio por si é passível de três interpretações em torno da desigualdade:
A primeira é que pode ser que os ricos tenham ficado mais ricos e os pobres mais pobres;
A segunda é que tanto os ricos como os pobres melhoraram o nível de bem-estar, mas a condição dos ricos melhorou mais do que a dos pobres;
A terceira é que os ricos podem ter mantido o seu nível de bem-estar e os pobres podem ter piorado.
Dado que a incidência na sua generalidade melhorou pode ser a segunda esteja mais próxima da nossa realidade. De qualquer das formas o pobre ainda não está a beneficiar-se mais das políticas públicas.
Posto isso, o que realmente se pretende alcançar com a submissão destas propostas de alteração de leis à Assembleia da República??
Boa noite.